7.2.08

Anti-Midas: o epitáfio

Morreu pelo sonho que o fez sentir vivo. Pela mais doce ilusão da sua vida, que se lhe atravessou no caminho numa quarta-feira de Agosto e ficou por dias e noites de suposta comunhão de almas (que na realidade pouco mais seriam do que comiseração perante a sua irreversível vulgaridade). Absorveu de todos esses segundos de canções, filmes, exposições, abraços, mensagens, telefonemas, tiques, sussurros, quase-ciúmes, promessas e sonhos acordados mas nos quais se fecham os olhos, o oxigénio que lhe manteve os pulmões a funcionar, o sangue a correr nas veias e o coração a dispará-lo de uma maneira tão eufórica quanto idiota.
Inebriado por odores de Marlboro Lights e L'Instant Magic, nunca chegou realmente a aprender que no seu caso a reciprocidade combate pelo inimigo, e que lado lhe estava reservado de modo vitalício na fronteira entre "lovely" e "lovable". Por teimosia, pensou que um dia poderia ser "lovable" e, consequentemente, amado. Talvez o pior tenha sido isso mesmo, ter desafiado o terrível dote de transformar em pedra tudo aquilo que quis tocar e guardar. Encontrou o destino sob os destroços do barco a remos no qual tentou chegar a Saturno, ao nível de sonho e insanidade de um qualquer Ícaro. Em sofrimento, frustração e profundo desespero, rasgou as costelas para chegar ao coração. Numa última e definitiva prova das suas qualidades, ao tentar agarrá-lo, transformou-o em pedra. Jaz algures a um canto do meu cérebro, na vala comum para onde foi igualmente atirada a Grande Ordem Cósmica (que viveu em vão e em vão morreu, soterrada pelo primeiro dia de neve em Nova Iorque). Mas incrivelmente, o barco chegou mesmo a levantar vôo...

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