27.7.05

Esquisso

"(...) mas o amor era isso?tinha-se convencido de que queria morrer ao lado dela,e este sentimento era manifestamente excessivo.Não seria antes uma reacção histérica de um homem que,ao aperceber-se,no seu foro íntimo,da sua incapacidade para amar,comoçava a representar para si próprio a comédia do amor?(...)e numa situação em que qualquer homem a sério saberia como agir,censurava-se intimamente por hesitar e por assim privar o mais belo da sua vida de todo e qualquer significado.Censurava-se intimamente,mas acabou por pensar que,no fundo,não saber o que se deve querer é normal.Nunca se pode saber o que se deve querer porque só se tem uma vida que não pode ser comparada com vidas anteriores nem rectificada em vidas posteriores(...). Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação.Como se um actor entrasse em cena sem nunca ter ensaido. Mas o que vale a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida?é o que faz com que a vida pareça sempre um esquisso.Mas nem mesmo esquisso é a palavra certa, porque um esquisso é sempre um esboço de alguma coisa,enquanto que o esquisso que a nossa vida é,não é esquisso de nada,é um esboço sem quadro.Tomas repete em silência o provérbio alemão einmal ist keinmal,uma vez não conta,uma vez é nunca.Não poder viver senão uma vida é pura e simplesmente como não viver.

- Milan Kundera in A insustentável leveza do ser

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